Educação do Futuro
Educação do Futuro
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
VOLTAR

HIV e COVID-19: Qual relação podemos esperar?

HIV e COVID-19:  Qual relação podemos esperar?
Igor Wesland
jan. 18 - 7 min de leitura
000

Alguns estudos procuram respostas com interesse de estabelecer se a pessoa vivendo com HIV(PVHIV) possui uma predisposição e suscetibilidade maiores tanto para a coinfecção e evolução para as formas mais graves da doença, ou até mesmo se o uso regular da terapia antirretroviral possui efeito protetor. O primeiro caso de coinfecção HIV/SARS-CoV-2 foi relatado em Wuhan(China) e casos subsequentes foram relatados no Reino Unido, EUA, Espanha, Itália, Alemanha e outros países(figura 1)[1].

FIGURA 1

IMPACTO DA PANDEMIA PELO SARS-COV-2 NO HIV

Um ponto relevante a considerar foram as medidas adotadas pelos serviços de saúde(incluindo lockdown) no intuito de diminuir a circulação de pessoas para frear a disseminação viral e direcionar a assistência para manejo de pacientes com necessidade de internamento hospitalar, bem como a realização da testagem obrigatória(tentativa de isolamento viral) naqueles com necessidade de internamento hospitalar. Medidas que geraram impacto em diagnósticos recentes pelo vírus da imunodeficiência humana e restringiram o acesso de pacientes aos serviços de saúde caso não fosse suspeito de covid ou em caso suspeito que não possuísse critérios de gravidade e sinais de alarme. Um estudo utilizando modelos matemáticos estima que a redução desses serviços por seis meses, em função da COVID-19, pode fazer com que novas infecções por HIV em crianças aumentem drasticamente, em até 37% em Moçambique, 78% no Malawi, 78% no Zimbábue e 104% em Uganda[2].

Vale ressaltar também que PVHIV reduziram o acompanhamento presencial(adiamento de consultas ambulatoriais, perda de seguimento para aqueles com dificuldade de acesso remoto e baixa renda) bem como o acesso a dispensação de medicamentos em alguns casos. Nesse mesmo estudo citado anteriormente espera-se que uma interrupção de seis meses do fornecimento de medicamentos antirretrovirais (ARV) em toda a população de pessoas vivendo com HIV em tratamento leve a um aumento de aproximadamente 2 vezes (de 1,87 para 2,80 vezes entre os modelos) de mortes HIV-relacionadas ao longo de um período de um ano em comparação com o caso sem interrupção. Na África Subsaariana, isso equivale a um excesso de mais de 500.000 (471.000 - 673.000) mortes por HIV de adultos, caso ocorra um nível tão alto de interrupção[2].

No local epicentro da pandemia foi descrito que a coinfecção de SARS-CoV-2 pode colocar as PVHIV em maior risco de rebote viral do HIV-1, especialmente para COVID-19 grave/crítico possuindo impactos limitados na contagem de células CD4+[3].

EFEITO DA TERAPIA ANTIRRETROVIRAL(ARV) NA COVID-19

Diversos estudos procuram estabelecer uma relação entre o uso de ARV e a infecção pelo SARS-CoV-2, porém observa-se diferença entre resultados in vitro comparados com in vivo bem como a necessidade de maiores análises acerca deste tópico. Entre eles podemos citar:

  • Uma análise entre PVHIV e usuários de PrEP de um único centro na França, o uso de tenofovir (tanto em TARV quanto em PrEP) não foi associado ao risco de infecção por COVID-19 ou curso clínico [4];

  • Tenofovir, um análogo de nucleotídeo que se assemelha ao remdesivir, demonstrou se ligar à polimerase SARS-CoV-2 in vitro[6];

  • O atazanavir se fixa no sítio ativo da protease principal do SARS-CoV-2, bloqueia sua atividade in vitro e inibe a replicação do SARS-CoV-2 em uma linha celular [6].

Analisado entre 30 de março e 20 de maio de 2020 no Centro de Imunologia e Doenças Infecciosas do Hospital Miriam, em Providence, Rhode Island(EUA) foi descrito uma série de casos de todos os pacientes conhecidos com coinfecção HIV / SARS-CoV-2 no Hospital Miriam e no Hospital Rhode Island[7]. Vinte eram homens, seis mulheres e uma mulher transexual; a idade média foi de 49 anos; 13/27 eram hispânicos e 6/27 eram afro-americanos[7]. Todos tinham carga viral do HIV <200 cópias / mL e estavam em terapia antirretroviral com contagem de CD4 variando de 87 a 1441 células / µL[7]. Vinte e seis dos 27 apresentaram sintomas comuns de COVID-19 por um a vinte e oito dias e a maioria tinha outras comorbidades e / ou fatores de risco[7]. Nove dos 27 ficaram hospitalizados por um a treze dias; desses, três viviam em uma casa de repouso, seis receberam remdesivir por meio de ensaio clínico ou autorização de uso de emergência e o toleraram bem; oito se recuperaram e um morreu[7].No geral, 17% das pessoas conhecidas no Centro tinham coinfecção HIV / SARS-CoV-2, enquanto a prevalência comparável em todo o estado era de 9%[7]. Todos os 27 PVHIV nesta série estavam em terapia anti-retroviral; 25/27 com emtricitabina ou lamivudina; e 17/18 (94%) de pacientes ambulatoriais e 6/9 (67%) de pacientes internados (p = 0,09; Teste Exato de Fisher) em formulações de tenofovir; sugerindo que esses antirretrovirais não eram completamente protetores contra a infecção por SARS-CoV-2[7].

Conclusão

 Após 1 ano de pandemia por SARS-CoV-2 muitas incertezas permanecem, o impacto econômico-político-social afetou o mundo de maneira súbita e inédita. Somado a isto, serviços e instituições de saúde focaram e direcionaram seus insumos e profissionais para o combate a COVID-19 gerando uma assistência em segundo plano para outras doenças e comorbidades da população mundial, entre elas o HIV. Previsões e resultados desse impacto são demonstrados atualmente em várias análises. A ameaça aos ganhos da Unaids 90-90-90 é uma preocupação crescente visto que as metas para 2020 não foram alcançadas[8] com o surgimento da nova pandemia pela COVID-19. Portanto novas pesquisas e estudos acerca da PVHIV coinfectada pelo SARS-CoV-2 serão necessárias para estabelecer uma relação mais fidedigna e adotar cuidados e manejo clínico adequado com possibilidade de melhores desfechos.

Referências

[1]Kanwugu ON, Adadi P. HIV/SARS CoV2 coinfection: A global perspective. J Med Virol. 2021;93: 726–732. https://doi.org/10.1002/jmv.26321

[2]Jewell B, Mudimu E, Stover J, et al for the HIV Modelling consortium, Potential effects of disruption to HIV programmes in sub-Saharan Africa caused by COVID-19: results from multiple models. Pre-print, https://doi.org/10.6084/m9.figshare.12279914.v1, https://doi.org/10.6084/m9.figshare.12279932.v1

[3]Brief Report: Virologic and Immunologic Outcomes for HIV Patients With Coronavirus Disease 2019 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33079905/)

[4]. Charre C, Icard V, Pradat P, et al. COVID-19 attack rate in HIV-infected patients and in PrEP users. AIDS 2020.

[5]Elfiky AA. Ribavirin, remdesivir, sofosbuvir, galidesivir, and tenofovir against SARS-CoV-2 RNA dependent RNA polymerase (RdRp): a molecular docking study. Life Sci 2020; 253:117592.

[6]Fintelman-Rodrigues N, Sacramento CQ, Ribeiro Lima C, et al. Atazanavir, alone or in combination with ritonavir, inhibits SARS-CoV-2 replication and proinflammatory cytokine production. Antimicrob Agents Chemother 2020; 64:.

[7]Byrd KM et al. Journal of the International AIDS Society 2020, 23:e25573 http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jia2.25573/full  

https://doi.org/10.1002/jia2.25573 

[8]90–90–90: bom progresso, mas o mundo está longe de atingir as metas de 2020 - UNAIDS Brasil


Denunciar publicação
    000

    Indicados para você