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As metodologias ativas e o fim da cultura resistente

As metodologias ativas e o fim da cultura resistente
JULIANA SANTOS
fev. 12 - 10 min de leitura
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Estamos prontos para o protagonismo?

Até bem pouco tempo, muitas escolas se orgulhavam de seus tablados, seus jalecos brancos e dos quadros cheios de conteúdo. Colocando essa frase no passado, temos a impressão de que esse cenário realmente mudou. É exatamente sobre isto que este texto se propõe a refletir: estamos mesmo com os atores no centro do processo da aprendizagem? Será que as instituições e os professores compartilharão espaço, transformando alunos em aprendizes? Se o aluno é aquele que recebe instrução, o aprendiz é o que investiga, entende o aprender e aplica esse aprendizado em diversas situações ao longo da vida. De uma coisa estou certa, as metodologias ativas são um caminho para essa transformação de papéis que consolidam a disrupção da educação.

 

Uma cultura resistente

Participando de salas de professores, conselhos de classe, reunião de colegiado, reunião de pais e mestres; percebi ao longo dos últimos anos que há um incômodo quase generalizado a respeito da postura dos alunos nas salas de aula. O desinteresse, os celulares, o entra e sai, enfim as velhas falas que conduzem muitos momentos de cafés e biscoitos pedagógicos.

Todo esse falatório sempre me fez pensar no quanto esses atores da educação estão realmente preocupados com a própria forma de condução de suas aulas. Os conteúdos muito bem esboçados e explicados ficam, muitas vezes, perdidos nas paredes brancas, ou de cores pastéis, que marcam esses espaços escolares.

Por mais que muitas pesquisas revelem o curto tempo de apreensão dos jovens, as formas de engajamento que precisam tomar as salas de aula, as metodologias que urgem por colocar o aluno no centro; seguimos da mesma forma, ignorando que não é mais possível tantas palavras sem ação. Enquanto não pararmos para rever nossos currículos, nossos famosos planos de curso, os planejamentos de equipe e individual e as metodologias para que, de fato, se tornem ativas; nossos cafés continuarão com o mesmo papo e as mesmas reclamações de sempre.

Mas… não há só um professorado acomodado. Isso! Aqueles que não querem se mexer e transferem a “culpa” para as novas gerações. Há, felizmente, aqueles que não estão em um lugar cômodo que os impedem de inovar.

 

Uma urgência para as instituições

Embora alguns docentes já estejam no século XXI e tenham entendido a necessidade de uma educação disruptiva, eles esbarram com a cultura de instituições que temem ousar pela reação dos pais, por não saberem os caminhos a seguir, por ter que romper com suas tradições e outras tantas circunstâncias que cercam o contexto escolar e acadêmico.

Então, como fazer? Talvez o primeiro passo seja aceitar que o público e o momento são outros e não adianta somente repetir que “estamos em escolas do século passado”.

Para isso, são necessárias metodologias que promovam a motivação para o aprender; deem lugar à pesquisa, exploração, investigação, discussão, construção do saber; entendam o erro como forma de aprendizagem e passo para o sucesso; tragam as tecnologias para sala de aula como uma ferramenta de trabalho; instiguem a desconstrução dos tablados físicos e imaginários, dando lugar às mesas redondas e colaborativas.

É urgente começar! Mas, por onde? Seria bom se começássemos revendo os currículos. Porém, poderia ser radical demais e geraria frustração com o processo.

Entretanto, vale frisar que enquanto trabalharmos por conteúdos e não por competências, as metodologias vão esbarrar no tradicionalismo, bloqueando a passagem de experiências ativas e significativas para professores e estudantes.

 

Iniciando com o possível

Já que uma mudança brusca pode levar ao insucesso, façamos experiências empreendedoras. O debate sobre métodos; o incentivo, apoio e suporte a professores inovadores; a discussão de boas práticas; as oficinas de troca e experimentação, ou seja, o investimento na ressignificação da formação de professores.

Os projetos que levem os aprendizes à resolução de problemas; os casos que geram reflexão; os trabalhos em grupo com critérios, etapas definidas, projetos finais criativos; as salas de aulas invertidas com conteúdos bem curados; a aprendizagem por pares para motivação, socialização e auxílio mútuo; as estratégias intencionais para cada sequência de atividades; o uso de tecnologias como pilar na construção de saberes.

Tudo isso é o começo do fim da cultura de resistência... e o começo de novas e urgentes trilhas de aprendizagem. Porém, assim, sem verbos de ação, esses parágrafos se assemelham a mais uma lista repetitiva de fórmulas e pouco exemplos práticos de atuação.

 

Falemos em exemplos...

Sim! Falemos.

Lembram das salas de professores e dos cafés-lamentação? Pois é. Há mais de 10 anos vivo outros cafés.

Ainda na educação básica, atuei em uma escola de perspectiva cultura e confesso que levei quase dois anos para entender a instituição. Era tudo novo. O ensino fundamental I funciona dividido em tempos de leitura, pensamento matemático, estudos sociais e projetos, projetos e mais projetos. No fundamental II, há disciplinas de projeto cultural, robótica, horários de estudo com acesso a computadores, internet livre, mesas para estudo em grupo, outras para sentarem em duplas, enfim, uma revolução. No ensino médio, há disciplinas diversificadas com inscrição por interesse, jornada científica, projetos MPB, teatro, produção de curta-metragem e tantos outras atividades em todas as áreas do conhecimento. Os aprendizes contam com momentos de orientação de estudos em todo fundamental. Neles, aprendem técnicas de estudo, analisam seus estilos de aprendizagem, recebem orientação de um professor que não “dá prova”, não emite nota, está ali para fazê-los entender como é o desenvolvimento de cada um. Isso mesmo. Foi a primeira vez que vi acontecer verdadeiramente a personalização.

A mistura de medo e a empolgação fez parte do meu ingresso em um universo completamente novo. Um público leitor de mundo, inteligente, preparado, e, principalmente, engajado. As propostas são discutidas com avidez, coragem, determinação, prazer. Os problemas resolvidos com debate, busca teórica, experimentação. São aprendizes, de fato, aprendizes conscientes de si, que tecem críticas com olhar ampliado e consistente, capazes de compreender e valorizar diferentes propostas de trabalho, nas quais se envolvem mesmo quando não seriam “da sua área”.

Mas, como isso é possível? Projeto pedagógico por habilidades e competências. Metodologias Ativas. Reuniões semanais para estudar, discutir planejamento, dividir as boas práticas, fazer oficinas com os colegas. Ambiente propício para troca entre mediadores e aprendizes que entenderam que aprender é uma atitude constante e que as velhas e longas aulas expositivas não têm mais lugar. É possível estar com o 2º ano do ensino médio discutindo Machado de Assis na pracinha da escola com densidade. Da mesma forma, as pesquisas e descobertas deles não só são valorizadas como fazem parte de cotidiano escolar.

Embora pareça um sonho, há muito suor, e até lágrimas. Como eu, os professores demoram para entender que cada minuto é valioso e que o planejamento não está no papel entregue no início do ano. As aulas, embora pensadas para um ano ou série, são executadas por turmas, considerando os perfis de cada sujeito que as compõem. Os projetos são variados e cada um se sente dono das etapas, dos processos e do produto final. Não é uma escola só para alunos, mas para professores também.

Fiquei lá por seis anos intensos e exclusivos e mais quatro entre essa instituição e a atual.

Para desenvolver a criatividade, senso estético, criticidade, por um período coloquei uma folha cenário branca no pé das escadas dos prédios dos ensino fundamental II e médio. Lá, colei palavras soltas, alguns poemas curtos e a frase: tire suas palavras da gaveta e compartilhe conosco. Surgiram aforismos, haicais e até sonetos, sem ninguém precisar explicar a técnica. Em um momento ou outro, quando passava pelas bibliotecas dos corredores, nas salas, nos laboratórios, pedia um minuto perto do fim de um tempo de aula e declamava um texto deixado por eles. Fazíamos algumas considerações e logo nos despedíamos. Nas aulas de literatura, a equipe valorizava a produção dos alunos e aí sim falava sobre rima, ritmo, mas com entonação, vivência, uma produção que poderia ser de qualquer colega. Ou seja, competências primeiro, metodologia ativa, conteúdo curado, técnica fluindo sem peso.

Logo, o professor de Geografia resolveu colocar um painel com notícias da semana e os debates foram muito bons em diversas disciplinas, porque para falar era preciso levar argumentos consistentes contra e a favor do texto lido.

Há muitas formas de começar e é preciso fazê-lo.

 

Para irmos fechando essa conversa...

Se as escolas públicas e privadas de educação básica estão se reinventando, as instituições de ensino superior não podem ficar para trás. Elas já estão se dando conta de que não é possível receber os ingressantes com as velhas práticas, os mesmos comportamentos.

A tríade personalização, experimentação e tecnologia são pilares que não podem ser discurso das instituições, mas devem ser uma prática com vistas ao sucesso do aluno. Para que isso seja possível, é preciso mudar a cultura resistente. Reposicionar-se e entender que recebemos, a cada semestre, alunos, estudantes e aprendizes. O foco é trabalhar com os professores que não são licenciados para que se tornem mediadores, compartilhem seus saberes e contracenem com os sujeitos, construindo novos paradigmas. Ou seja, é urgente transformar alunos em aprendizes que saibam como, o quê, para quê, porquê aprendem, bem como qual a aplicação em problemas da vida real e, principalmente, quais e como desenvolver competências para este século.

 

Indicações de leitura

BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

CAMARGO, Fausto. DAROS, Thuinie. A sala de aula inovadora: estratégias pedagógicas para fomentar o aprendizado ativo. Porto Alegre: Penso, 2018.

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.

 

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